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segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

SURUWAHÁ VIVENDO A VIDA NA EXPECTATIVA DA MORTE






O povo Suruwahá é constituído de onze etnias que sofreram com a dizimação por ocupação de terras para extravio da borracha e sorva. Alguns foram assassinados nas invasões, outros morreram devido ao contato com o “homem branco” que lhe trouxeram diversas doenças. Hoje os Suruwahá habitam a região do Rio Purus – AM, numa área de 239. 070 hectares homologada pela FUNAI em 1991, não contando com mais de 200 pessoas. Os primeiros contatos com os Suruwahá ocorreram nos anos 70 através de entidades religiosas e posteriormente a FUNAI.
Logo uma faceta da nova nação indígena descoberta chamou atenção daqueles que entraram em contato com eles, que era o alto índice de suicídios entre os membros da tribo. Apesar de suicídio entre índios não ser uma novidade, ocorrendo entre os Paresi, Tikuna e Yanomami. O caso mais alarmante chamou a atenção da mídia em 1995 quando houve um crescimento acentuado do suicídio entre os Guaranis, no Mato Grosso do Sul, chegando a 55 pessoas que deram fim a vida.
Contudo, entre os Suruwahá o suicídio ou “morte ritual” como prefere chamar o professor Dal Poz em seu Crônica de uma morte anunciada: Do Suicídio entre os Suruwahá, tem contornos bem diferentes, sendo uma característica marcante na dinâmica social do povo.
Os Suruwahá vivem todos numa única oca grande, espalhados aleatoriamente por famílias, consangüíneos e afins. No centro da oca fica “o dono da casa”, aquele que a construiu com ajuda de outros homens da tribo. É o dono da casa que faz todos os reparos nela.
Construir uma oca, que leva até dois anos, é umas das tarefas que demonstra maturidade masculina. Entre os Suruwahá não há uma chefia, ou pajé, mas, a sociedade é estratificada, sendo os “caçadores” os mais prestigiados entre eles. Aquele que consegue caçar o maior numero de antas para alimentar a família e a tribo goza de prestigio e privilégios.
Há uma forte diferenciação entre os sexos. Ter um filho homem é bastante celebrado, e o maior temor das mulheres Suruwahá é ser enfeitiçada e não poder ter filhos homens. A preferência quanto aos homens na tribo leva a outro fato também muito estudado que é o infanticídio, principalmente das meninas.
O rito de passagem dos meninos para a vida adulta que recebem o suspensório peniano é celebrada com festas, caças, pescarias, depois são surrados pelos homens mais velhos da tribo (agüentar a dor) e vão dormir em suas redes na oca. Enquanto seus familiares lutam noite adentro. Pela manhã os rapazes são levados pelas mulheres para tomar banho no rio, tem seus cabelos cortados e são pintados com urucum.
Entretanto o ritual de passagem das meninas é muito diferente, ao menstruarem pela primeira vez, são isoladas na oca, vendadas, quase não comem e saem apenas à noite para fazer suas necessidades fisiológicas. A partir da primeira menstruação passam a ser vigiadas de perto pelos pais e familiares, não podem andar só, para evitar “abuso sexual” de um não parente. Há uma intensa pressão e vigilância quanto a sexualidade das meninas.
Entre os Suruwahá a beleza, o vigor físico, jovialidade são muito valorizados, daí a maioria dos suicídios ocorrerem entre jovens de ambos os sexos. A decadência física da velhice é intolerada.
Por isso costumam dizer “bom é morrer jovem”. O ato de suicídio é natural e desejável entre os Suruwahá. As crianças brincam desde pequenas com o fato, imitando o ritual de suicídio.
A velhice é vista como uma decadência insuportável, principalmente se o velho se tornar dependente. Apesar de serem respeitados costumam ser ignorados pelos jovens e chamados de “aqueles que tomaram o caminho mais penoso”, ou seja, de morrer de forma natural.
Para compreender como um Suruwahá vive sua expectativa da morte é necessário conhecer sua cosmologia e seu pensamento sobre o transcendente.
Professor Dal Poz cita Günter Kroemer (1994: 150-1) para contar a expectativa dos Suruwahá quanto à morte. “Os Suruwahá concebem três caminhos distintos que atravessam o firmamento: o mazaro agi (caminho da morte), o perscurso do sol, por onde seguem os que morrem de velhice; o konaha agi (caminho do timbó), a trajetória da lua, por onde vão os suicidas; e o koiri agiri (caminho da cobra), o rastro do arco Iris, a rota dos que morrem de picada de cobra. Com isso, o destino escatológico encontra-se polarizado entre a casa do ancestral Bai, o Trovão, no patamar celeste superior, para os que ingerem veneno, onde as "almas" (asoma) reencontram seus parentes e vivem como os autênticos Konahamady (o "povo do timbó"), e a morada do ancestral Tiwijo, a leste, para onde seguem as almas dos que morrem de velhice. Os que foram picados por cobra, estes permanecem num espaço intermediário, o próprio arco-íris. A opção pela morada de Tiwijo, concebida como um caminho "penoso, onde os corações, sem achar sossego e paz, vagueiam" (ibid.: 78), possibilita, paradoxalmente, sua transformação em seres eternamente jovens. A fonte dessa juventude, dizem eles, é uma "comida doce" que as almas recebem ao chegar — a velhice apodrece no túmulo, junto com a pele do cadáver. Lá a vida é boa, as plantas agrícolas crescem sem esforço e a caça e a pesca são abundantes (Fank & Porta, 1996 a: 3; 1996 b: 126-9). Mas, de acordo com Kroemer (ibid.: 78), seria na direção de Bai que os Suruwahá projetariam sua "verdadeira existência à qual ritos, cantos e rezas estão relacionados" — um mundo tomado pelas águas, segundo eles, onde as almas comem apenas raízes de timbó e se transformam em peixes, seu destino final.
A pratica de suicídio entre os Suruwahá é segundo Dal Poz um empréstimo dos índios Catuquina, que ressignificada entre os Suruwahá passou a fazer parte da identidade do povo.
Kroemer pensa que a morte voluntaria entre os Suruwahá tem haver com sua origem advinda do extermínio de seus antepassados com o avanço da frente extrativista, visto que o mundo ideal e feliz não é aqui, mas, no além.
O suicídio pode ser desencadeado por aborrecimentos, brigas ou luto. É costume dizer “Suruwahá esta com saudade” e cometer suicídio para reencontrar seus amigos ou parentes.
Há um ritual para que o fato aconteça conforme descreve Sousa e Santos.
1. Um determinado acontecimento provoca irritação ou contrariedade;
2. O individuo destrói seus pertences (corta e queima a rede, quebra suas armas e ferramentas, estilhaça os utencilios de cerâmica);
3. Os circunstantes, parentes ou não, deixam-no extravassar sua agressividade; procuram disfaçar sua apreensão e, com estudada naturalidade, continuam suas atividades corriqueiras ou começam imediatamente alguma; eles evitam olhar diretamente para o raivoso, mas, acompanham furtivamente seus movimentos;
4. Se após o acesso de raiva, o desgosto ainda não abandonou, o individuo emitirá um grityo ou logo saira ostensivamente da casa, correndo em direção a alguma roça para arrançar raízes de timbó;
5. Os que acompanhavam discretamente o que se passava avisam os demais (parentes, talvez) e algumas pessoas (geralmente do mesmo sexo) perseguem o suicida, ou se ele já está distante, procuram-no nos caminhos que vão dar às roças;
6. Se os perseguidores o encontram, tentam tirar-lhe as raízes; caso contrario, o suicida se dirige a um córrego e ali espreme e mastiga o timbó, de modo a ingerir seu sumo, em seguida bebe um pouco de água para ativar seus efeitos tóxicos;
7. Daí, volta correndo ruma à casa (alguns não conseguem chegar e morrem no caminho)
8. Ali chegando o suicida é atendido por seus parentes ou outros, o que varia segundo o motivo e as relações que suscitaram a tentativa; a operação de salvamento consiste em provocar vomito, esquentar o corpo com panos aquecidos (tarefa realizada pelas mulheres), bater nos membros dormentes e gritar ao ouvido para desperta-lo, mantendo-o sempre sentado;
9. Durante o salvamento se mostram zangados e lhe falam de forma agressiva e xingam-no;
10. Morrendo o suicida há uma grande comoção no grupo, com muitos choros e lamentos, desencadeando logo em seguida, algumas horas ou dias novas tentativas de suicídio, que dão inicio a nova perseguição e tentativa de salvamento.

Dependendo da importância do individuo a mobilização de salvamento será maior ou não, quando se trata de pessoa velha não se costuma fazer salvamento dizendo “está velho, deixa morrer”.
Nesses lamentos costumam dizer que “Suruwahá vai morrer, Suruwahá vai deixar de existir porque gosta do veneno”.
Hoje com saídas para tratamento nas cidades já fazem reflexões que o “povo da cidade tem velhos e mais gente que Suruwahá e são felizes”.



Conclusão

Entendemos essa sociedade em anomia, visto que coloca em risco sua própria existência, é importante ressaltar a forma como foi construída sobre a tragédia do genocídio, fazendo com que reinterpretasse a vida e o significado dela completamente, lançando para o além suas expectativas de felicidade, paz e abundancia, não enfrentando as questões cotidianas.
Os suicídios geralmente ocorrem por luto, desentendimentos entre casal, desentendimentos familiares e até mesmo por desentendimento entre as crianças, pode levar pais ou tios ao suicídio. Morrem mais homens, principalmente devido ao luto, quanto às mulheres a causa principal de morte são as questões ligadas as dificuldades do matrimonio.
Apesar de viverem de forma coletiva há uma certa individuação, por exemplo o nome é dado por características pessoas, historia de seus ancestrais, não havendo repetição de nomes entre eles. Há também a distinção na caça e nos afazeres masculinos e uma clara distinção de gênero.
Outro fato interessante a ser refletido é a juventude, a força, e a beleza como fonte de todas as glorias, tanto que a velhice é uma decadência intolerável.
Olhando desta forma o suicídio dos Suruwahá é uma celebração a estes valores, a eterna juventude, ao eterno vigor, alegria e abundancia, conquistados de uma vez para sempre através do Caminho da Lua, onde junto com Bai, o Trovão, vivem no patamar superior como autênticos Konahamady – Povo do Timbó.

Candida Maria


 Dal Poz, João. Crônica de uma morte anunciada: do suicídio entre os Soruwahá. Rev. Antropologia. v.43 n.1 São Paulo 2000.

SANTOS, Marcio Martins dos. SOUSA, Kariny Teixeira de. Morte ritual: reflexões sobre o “suicídio” Suruwahá. Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 3, n. 1, p 10-24, Jan/Jun 2009

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